Se
há uma coisa facilmente perceptível na maioria das crianças é a imediatez, a
urgência, do desejo. Se dissermos a uma criança que hoje iremos fazer uma coisa
que ela gosta muito (ir a um parque ou à casa de um amiguinho querido), a
reação dela certamente será: Vamos agora! Por isso, é uma crueldade nossa dizer
que o presente que ela acaba de ganhar só poderá ser aberto amanhã.
Nós
adultos tendemos a perder essa espontaneidade do desejo. Somos mestres do adiamento,
das interpolações, de colocar obstáculos ao desejo. E isso é em nós uma doença
ruim. O neurótico obsessivo é o mestre maior da procrastinação ao ponto de
fazer da realização do desejo um impossível. Ele sabe colocar o desejo em
compartimentos bem organizados espacial e temporalmente. O sujeito histérico
tem o seu modo peculiar de desejar: que o desejo permaneça sempre na
insatisfação! Uma histérica decidida saberá deixar seu parceiro enlouquecido de
desejo por ela, mas saberá também sumir da cena quando chegar a hora exata dos “finalmentes”.
Ela saberá, igualmente, preencher seus dias com tarefas absolutamente
importantes e necessárias, de modo que não reste quase nenhum tempo a ser dedicado
ao seu parceiro amoroso. Assim, nas relações amorosas ambos serão, sabotadores
do desejo. Cada um a seu modo estará sempre dizendo: “Hoje não, deixemos para
depois, para amanhã, depois de amanhã será melhor ainda, semana que vem...”.
É
aí que as razões, os motivos para esses adiamentos serão valorizados ao extremo:
“Eu não pude vir ao nosso encontro porque tinha uma coisa muito importante para
fazer”. Ou seja, trata-se aqui de um mecanismo inconsciente de desvalorização
do desejo: outra coisa sempre será mais importante que a realização do meu
próprio desejo. Temos aqui o contrário, portanto, do funcionamento do desejo na
criança, que é sempre fundado na urgência.
E
se um de nós adultos (sim, pois as crianças sadias não precisam disso) fizer
uma análise e recuperar sua capacidade de dar prioridade ao desejo terá, então,
que enfrentar as tentativas de sabotagem dos demais adultos. Uma delas se
manifesta assim: “Se você quer realizar urgentemente seu desejo eu te
desvalorizo”. É preciso, portanto, fazer de conta que não estou desejando, que
não estou nem aí para o outro, assim ele poderá me valorizar. Portanto, se você
apresentar seu desejo tal como ele realmente é, a saber, em estado de urgência,
você vai se dar mal no mundo dos adultos. Se você fosse uma criança seria
tolerado porque no fundo não seria levado a sério.
Isso,
é claro, tem uma explicação: a realização do desejo para um adulto não
analisado ou que não preservou em si a criança que ele foi, é algo
profundamente angustiante. A realização do desejo sempre lhe aparece como sendo
da ordem de um delito que o fará sentir-se culpado. E é incrível que esse
mecanismo ainda subsista na época em que vivemos, a época em que o gozo é não
apenas liberado, mas obrigatório.
Era natal. Família reunida. Eu havia comprado presentes para os meus sobrinhos. Um deles me era, e ainda é, muito querido e por isso mesmo eu havia lhe dito, mais cedo, que comprara um presente especial. Ou seja, eu já o havia colocado à espera de um objeto misterioso do desejo. Chegada a hora de entregar os presentes eu fiz uma coisa da qual hoje não me orgulho de modo algum: eu o deixei por último, fui dando os presentes para todos os outros sobrinhos. E fiz isso com um toque a mais de crueldade: a cada vez que eu pegava um presente eu o olhava como se esse fosse o dele, mas o dele foi o último. Crueldade de adulto a minha. Dessas que fazemos sem perceber que fazemos. Ele ficou feliz quando finalmente recebeu e abriu o pacote. Eu, todavia, senti um certo incômodo que só hoje interpreto de uma forma que convence a mim mesmo: eu coloquei em prática isso que eu denuncio no texto acima, um espécie sadismo com o adiamento do desejo. Mas vale relatar aqui algo que eu observei no comportamento dele durante o tempo em que ele esperava. No fundo - hoje isso me é muito claro - ele não esperava. Ele arranjava outra coisa para fazer, outro brinquedo, convocava um primo para um jogo qualquer. Eu é que o interrompia com a promessa que seria o momento de receber o presente tão falado. Hoje, com muita dificuldade, estabeleço esse comportamento dele como uma referência para mim. Não gosto, não posso, não devo, simplesmente ficar esperando pela realização dos meus desejos. Isso é algo muito difícil para um adulto. O adulto tende a ser fixado em um único objeto, o qual assume o caráter de ser insubstituível. A criança não. Basta lhe dizer “Vamos brincar de outra coisa?” que ela tenderá a dizer sim com um sorriso no rosto. O adulto, na maioria das vezes, só sabe brincar da mesma coisa e quase sempre, sem um sorriso no rosto.
Era natal. Família reunida. Eu havia comprado presentes para os meus sobrinhos. Um deles me era, e ainda é, muito querido e por isso mesmo eu havia lhe dito, mais cedo, que comprara um presente especial. Ou seja, eu já o havia colocado à espera de um objeto misterioso do desejo. Chegada a hora de entregar os presentes eu fiz uma coisa da qual hoje não me orgulho de modo algum: eu o deixei por último, fui dando os presentes para todos os outros sobrinhos. E fiz isso com um toque a mais de crueldade: a cada vez que eu pegava um presente eu o olhava como se esse fosse o dele, mas o dele foi o último. Crueldade de adulto a minha. Dessas que fazemos sem perceber que fazemos. Ele ficou feliz quando finalmente recebeu e abriu o pacote. Eu, todavia, senti um certo incômodo que só hoje interpreto de uma forma que convence a mim mesmo: eu coloquei em prática isso que eu denuncio no texto acima, um espécie sadismo com o adiamento do desejo. Mas vale relatar aqui algo que eu observei no comportamento dele durante o tempo em que ele esperava. No fundo - hoje isso me é muito claro - ele não esperava. Ele arranjava outra coisa para fazer, outro brinquedo, convocava um primo para um jogo qualquer. Eu é que o interrompia com a promessa que seria o momento de receber o presente tão falado. Hoje, com muita dificuldade, estabeleço esse comportamento dele como uma referência para mim. Não gosto, não posso, não devo, simplesmente ficar esperando pela realização dos meus desejos. Isso é algo muito difícil para um adulto. O adulto tende a ser fixado em um único objeto, o qual assume o caráter de ser insubstituível. A criança não. Basta lhe dizer “Vamos brincar de outra coisa?” que ela tenderá a dizer sim com um sorriso no rosto. O adulto, na maioria das vezes, só sabe brincar da mesma coisa e quase sempre, sem um sorriso no rosto.
Cristiano
Pimenta
Muito bom Cristiano! Vontade de continuar lendo.. Que venha logo a próxima ocasião!
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