Não me parece possível
abordar esse tema sem antes enfrentar uma difícil questão: o que é ser homem
hoje? É ser machão? É ser heterossexual? Sabemos que há o metrossexual e também
– seguindo tendências mais recentes – o lumbersexual.
Dizem, aliás, que Brad Pitt, Ben Affleck, dentre outros, já aderiram ao estilo
do “lenhador sexy”. Por outro lado, por que um homossexual não seria um homem? E
o que dizer de certas mulheres que em tudo parecem ser “mais macho que muito
homem”? Ora, essa confusão evidencia que nessas questões a vida contemporânea é atravessada por uma ruptura com os antigos
padrões.
O
homem com “H” maiúsculo
Tentemos fazer o
contraste entre o passado e o presente. Antes, as referências pareciam mais
claras e firmes. A teoria psicanalítica lacaniana mostrou como eram feitos os
homens. Na década de cinquenta, Lacan elaborou uma fórmula chamada Metáfora Paterna para traduzir em termos
formais a teoria do Complexo de Édipo de Freud. Para psicanálise, também quanto
ao sexo masculino, é certo dizer que não se nasce, mas torna-se homem. Dito em
termos simples, a Metáfora Paterna nos mostra como um menino torna-se um homem,
a saber, pela interdição que a função
paterna introduz nas relações mãe-criança. Trata-se da famosa interdição do
incesto, mas que atinge não só a criança como também a mãe. Pelo lado da
criança, a função paterna lhe impõe um Não
te deitarás com tua mãe. E pelo lado da mãe um Não reintegrarás teu produto. O pai, portanto, salva a criança de
ser devorada pela mãe e é isso que lhe permite tornar-se um homem. Restará
apenas o passo seguinte dado pelo projeto de homem: eu quero ser igual ao papai. Eis que nasce um homem! Sim, pois, na
medida em que sou igual ao papai me sinto no direito de ter uma mulher, ou
seja, me é permitido que um objeto venha substituir a mãe. A coisa culmina na
família, no interior da qual terei minha autoridade de pai, do homem da casa,
etc.
Antes de apontarmos o
declínio dessa maquininha de fabricar homens à imagem do pai, quero chamar a
atenção para as características gerais desse antigo homem-pai. Ele era
absolutamente seguro de si na relação amorosa com a mulher. Ele se sentia, ele
se via, como sendo o possuidor daquilo que uma (a sua) mulher mais poderia
desejar, a saber, sua própria masculinidade, à qual Lacan consagrou o termo falo. Ser homem aqui é ser o portador
daquilo que satisfaz o desejo de uma mulher, daquilo que estabiliza, orienta e
apazigua a aflição feminina. Nesse sentido, ser homem é anterior ao ser o
provedor. Ser homem é, antes, a condição necessária para prover. Ser homem é
estar no poder. De um modo geral, na história humana, o poder sempre foi coisa de macho, e o falo é a essência do macho.
E como ama esse homem
simbolizado pelo pai severo, cuja vontade era expressa e atendida com um
simples olhar enfurecido? Digamos que ele não foi talhado para amar, mas sim
para ser amado. É que amar fragiliza, enfraquece, gera dependência para com o objeto
amado. Amar é confessar sua falta (Miller). No contexto desse homem-pai-possuidor-do-falo,
o amor concerne mais à mulher. Amar é coisa
de mulher. Daí que, se esse Homem com maiúscula se enfraquece por amor ele
pode ser depreciativamente chamado de “mulherzinha”. Compreende-se, por outro
lado, que, dessa perspectiva, ser mulher é ter inveja do pênis (Penisneid),
como formulou Freud. A inveja do pênis é o nome freudiano da falta feminina,
falta que se apazigua na relação com aquele que é o detentor do objeto do
desejo.
A
liberação do desejo feminino
Mas um Homem assim terá
existido realmente algum dia? Deixo de lado essa questão para dizer que, de
todo modo, enquanto Ideal, referência
simbólica e identificatória, ele existiu sim. Sua produção dependia da eficácia
do pai, enquanto o interditor da relação mãe-criança. Todavia, o pai
enfraqueceu. Por quê? Para responder tal questão é preciso observar que essa
engrenagem da Metáfora Paterna só funciona se o desejo feminino estiver enganchado
nesse Homem, ela foi montada para responder ao desejo feminino, ao qual se
supõe poder dizer: afinal, o que mais uma
mulher poderia desejar além de ter marido e filhos? Impossível não nos
lembramos de que a psicanálise foi inventada por Freud justamente na tentativa
de tratar das mulheres que não se encaixavam nesse padrão: as histéricas. As
histéricas do final do século XIX já testemunhavam, ou melhor, já produziam, o
fracasso desse Homem. O desejo histérico se caracteriza justamente por se
remeter sempre a uma Outra coisa, ele é por definição insatisfeito, não se
apazigua com o falo e nem com os objetos substitutos como o filho. As
histéricas foram as primeiras a deixar esse Homem a ver navios. Seus pais, numa
última tentativa desesperada de colocá-las na via correta, diga-se
arranjar-lhes um marido, as levavam a Freud, como se dissessem: quem sabe essa tal psicanálise possa dar um
jeito. Digo de passagem que Freud jamais se propôs simplesmente atender às
demandas de adaptação dos pais. O projeto de Freud foi, antes, o de tentar
explicar os mistérios que governam a vida amorosa das pessoas.
Eis, portanto, o motivo
fundamental do declínio desse Homem-pai: a liberação do desejo feminino. Liberação
em relação ao padrão “papai-mamãe”. Já de início, poderíamos dizer que nesse
terreno o homem está sem bússola, pois o que antes era o Norte para ambos os
sexos, o falo, já não cativa tanto, ou
já não se encontra lá onde se espera encontrá-lo, tal como podemos ver no filme
Jovem e bela. Depois de perder a
virgindade para um rapaz que acabara de conhecer, num encontro frio e sem amor,
a linda e jovem moça dá início ao exercício da prostituição. Ela se vende a
homens mais velhos, sendo que por um deles ela desenvolve um apego maior. Com o
falecimento deste em pleno ato sexual ela é descoberta e faz um tratamento psi para voltar a ser uma garota “normal”.
Tudo parece caminhar para sua reabilitação, pois ela começa um namoro romântico
com um rapaz da sua idade. A surpresa do filme é que ela simplesmente se
desencanta disso que seria uma promessa de felicidade e retorna à prostituição.
Quando ela reativa o antigo número de celular as mensagens dos clientes pululam
uma atrás da outra para regozijo seu. A simplicidade dessa história parece
testemunhar o que dizemos aqui: que o desejo feminino segue agora caminhos
misteriosos e fora dos padrões estabelecidos.
A psicanálise lacaniana,
seguindo as pegadas do desejo histérico, já havia descoberto que um dos traços
fundamentais do desejo feminino é o de estar essencialmente ligado ao vazio.
Isso permite que a mulher mude com mais facilidade que o homem o objeto de seu
desejo, pois lhe interessa mais o vazio que o objeto venha ocultar ou o vazio
que possa haver no objeto. É isso que, igualmente, explica o talento das
mulheres para representação. É justamente pelo fato de seu próprio Ser estar atravessado pelo vazio, por se
reconhecer no vazio, que a tarefa de encarnar qualquer personagem se torna tão
acessível a uma mulher. Essa mudança no feminino, ou melhor, essa liberação, por
sua vez, fez com os homens também se transformassem.
Um
homem que ama
Mas quando nos interrogamos
sobre o que seria essa transformação não nos vem à mente, justamente, a imagem
do lenhador sexy, ou seja, um ideal encarnado por um Brad Pitt, um homem
sedutor que arrebata toda e qualquer mulher, um “pegador”, um Don Juan? E para quem se destinaria o
visual cuidadosamente desleixado se não para o desejo feminino? Além disso, essa
concepção de homem parece ir ao encontro da queixa de muitas mulheres, a de que
os homens hoje não se apegam, não se apaixonam, querem apenas desfrutar do
sexo, evitar o amor, o compromisso, etc. Nesse mesmo sentido, poderíamos ainda
convocar o ponto de vista de um sociólogo de peso, Zygmunt Bauman, que
denunciou em Amor líquido: sobre a
fragilidade dos laços humanos a superficialidade dos amores na vida
contemporânea, a liquidez com que os amores se desfazem antes mesmo de começar.
Contudo, nos tempos atuais, há um fato
desconcertante que subsiste ao lado desse o homem fluido, livre e desapegado, a
saber, com o declínio do modelo paterno,o
homem passou a amar. Eis uma novidade! Sem a proteção das antigas
identificações paternas, sem uma bússola para se orientar frente ao desejo
feminino, ele se valeu do recurso ao amor. Ao fazer isso, no entanto, o homem
adentra um terreno que ele não domina, ou melhor, um terreno dominado pelas
mulheres. Inexperiente, se assim podemos dizer, o homem corre o risco de ficar
em desvantagem nesse jogo há muito jogado por elas.
Uma posição
desfavorável no amor já podia ser observada numa época muito antiga na qual o
homem-pai ainda detinha o poder. Foi por volta do século XII, na Europa, onde
alguns homens poderosos se lançaram a uma prática paradoxal para o seu tempo
que ficou conhecida como amor cortês.
Uma série de condutas foi relatada nos versos dos chamados trovadores. A Dama devia
ser exaltada, com a correlativa desvalorização do homem devotado. Nos versos do
amor cortês, a mulher torna-se um objeto supervalorizado, transcendente,
inacessível, intocável. Ela não se caracteriza por ser virtuosa e amável com o
homem que lhe “faz a corte”. Ao contrário, ela é extremamente arbitrária e impõe
cruéis provas de amor àquele que se torna seu “servidor”. Encontramos, assim, o
homem em uma posição de desvalorização e humilhação na relação amorosa. Posição
paradoxal para uma época em que as mulheres não detinham nenhum poder econômico
e social e o modelo patriarcal reinava. Essa Dama cruel e arbitrária, esvaziada de toda qualidade, encarnação do
vazio, vazio que será contornando por uma série de procedimentos realizados
pelo homem através de uma conduta de rodeio,
serviu de referência para Lacan pensar sua noção de real sob a forma de a Coisa (das Ding). Essa mulher que
encarna o real é para o homem, diz Lacan, “um
objeto enlouquecedor, um parceiro desumano”.
O fato de que a mulher enlouquece um homem na relação amorosa
pode ser considerado uma herança do amor cortês presente nas relações atuais.
Levado à loucura, um homem pode perder as estribeiras e bater na mulher. Mas o fato
mesmo de enlouquecer, transgredir a lei a ponto de ser levado preso, deve ser
avaliado em relação ao despreparo desse homem atual frente ao desejo feminino. No
filme de Lars Von Trier, Anticristo, encontramos
um exemplo cheio de ironia de um homem que enlouquece na relação amorosa. Nesse
longa, o marido terapeuta se dedica pleno de confiança e certeza ao tratamento
de sua própria esposa. Ele a leva para uma fazenda isolada onde a natureza
reina e ali aplica uma série de técnicas comportamentais de tratamento. Tudo
fracassa. O especialista nos assuntos psi
é o que menos sabia a respeito da psique
de sua esposa. Ela surta, tenta matá-lo e ele tem que lutar pela própria vida
para escapar. Enlouquecido pela loucura dessa mulher, ele a mata e queima seu
corpo como o de uma bruxa. A ironia, portanto, é que o marido-terapeuta-salvador,
se tornou o assassino de sua paciente-esposa. Por que motivo ele se dedicou de
corpo e alma a esse tratamento? É simples: porque amava sua esposa. Anticristo coloca em evidência o fato de
que a agressão masculina testemunha que o
homem não controla mais a mulher. Esse descontrole evidencia também que amar para o homem é um modo de gozo, um gozo
que pode ser mortífero.
À
mulher nada falta
Nesse mesmo sentido, encontramos
na teoria psicanalítica lacaniana uma formulação que inverte a clássica posição
de superioridade do homem em relação à mulher, a posição de independência e
poder do possuidor do falo e a correlativa dependência daquela a quem só restava
a inveja do pênis. Hoje é comum o homem
se apresentar como faltoso e a mulher, por seu lado, se apresentar como aquele
ser a quem nada falta, ou que “não precisa de homem para nada”. Lacan percebeu
que isso já estava inscrito em um nível básico da relação homem-mulher, o nível
da relação sexual. Aí o homem está em evidente desvantagem pelo simples fato de
precisar produzir e manter a ereção de seu órgão, o pênis. Assim, na hora “H” (que
é a hora do Homem se colocar à prova) as coisas são tensas para ele: seu órgão
pode não funcionar como esperado, a relação pode terminar antes do previsto ou
simplesmente não acontecer. Por outro lado, mesmo que funcione bem, com ou sem
ajuda de um “Viagra”, no final assiste-se inexoravelmente a uma detumescência,
que simboliza a perda da sua virilidade. A mulher não. Neste nível ela sai do
ato tal como entrou: intacta. Por não ter nada a sustentar, também não tem nada
a perder. No nível do gozo não se pode falar em inveja do pênis na mulher, pois “não lhe falta nada” (Lacan). Ao
contrário, “a mulher se revela superior no campo do gozo” (Lacan).
Não é novidade que a
vida sexual do homem seja atravessada pelo drama da impotência. Na adolescência
a experiência sexual ainda inédita é temida, o que explica o tempo enorme dedicado
aos jogos de internet. Na maturidade há o temor de uma impotência inesperada e
na velhice pode haver uma impotência há muito esperada. Nem precisaríamos falar
da perturbadora questão do tamanho do seu pênis. Enfim, ao vincular sua
virilidade à ereção de seu órgão, o homem se torna refém desta última. Não é o
caso, por exemplo, das mulheres homossexuais que na relação sexual ocupam o
lugar masculino, ativo, que faz a parceira gozar satisfatoriamente. O fato de
não terem um pênis não lhes traz nenhum problema. Algumas, aliás, sentem-se muito
mais viris justamente por não possuírem esse órgão tão frágil e problemático.
Pois bem, essa inferioridade
masculina no campo do gozo é transposta ao campo do amor. Justamente por ter algo a perder, o homem se encontra
em uma posição de desvantagem no amor. Poderíamos dizer que, quando um homem
perde a sua mulher (ou até nos casos em que ele mesmo se separa dela), é como
se uma parte de si mesmo lhe fosse cortada fora. Imagem que nos remete ao mito
da costela de Adão com a qual Deus fez o objeto do desejo, Eva. Já a mulher,
por já estar castrada de saída, por habitar o vazio, está muito mais preparada
para a perda. Nenhum objeto é capaz de obturar sua relação íntima com o vazio. O
sofrimento feminino está ligado mais às suas relações com o vazio. Via de
regra, a solidão, por exemplo, é insuportável para a mulher. O homem, com seus
apetrechos, seus canais por assinatura, lida melhor com a solidão. Seu mundo
desaba apenas quando ele perde seu objeto privilegiado. Vale mencionar aqui a lembrança
de um jovem que eu acabara de conhecer na mesa de um bar e que do nada soltou: não tem comparação, uma separação é muito
mais difícil para nós homens do que para elas.
Nesse sentido, a
clínica psicanalítica nos mostra homens surpreendidos e traumatizados com isso
que para eles se apresenta como absolutamente inesperado: o fato de que em dado
momento de crise, mesmo em relacionamentos já duradouros, a mulher amada se
revele perfeitamente capaz de viver sem ele. É aí que encontramos no homem, só
para dar um exemplo, o medo da separação. Medo que conduz às mais variadas
formas de covardia, como, por exemplo, a de investir sua vida e seus bens em
uma mulher que, ao menor deslize seu, teria todas as condições de lhe deixar.
Portanto, a superação
do amor perdido passou a ser problema de homem. Talvez possamos afirmar, em
resposta às mulheres que dizem que os homens não se envolvem, não querem
compromisso, etc., que o motivo, pelo menos em alguns casos, é que eles não
superaram um relacionamento traumático anterior, um amor que deu errado. Em seu
inconsciente, portanto, eles amam, eles estão sob o efeito do que Freud chamou
de fixação da libido, por isso, não estão
livres para viver um novo amor, só lhes restando as diversões descompromissadas
do sexo.
O
luto e a alegria
O que se revela de nosso
percurso é que o desafio do homem hoje é o de poder amar e, ao mesmo tempo,
preservar sua virilidade. Se, como diz Jaques-Alain Miller, “só se ama
verdadeiramente de uma posição feminina; amar feminiza”, como ser viril e
feminino ao mesmo tempo? Ora, isso só é possível se o homem conseguir evitar
fazer de uma mulher a solução para sua falta. Erroneamente, a experiência
amorosa se tornou a via pela qual o homem acredita resolver o problema da sua falta.
É preciso que ele se dê conta de que essa Mulher, assim concebida, não é nada
além da parte de si mesmo (a costela) que está definitivamente perdida. O objeto
está perdido. É preciso, pois, fazer o luto dessa perda. Como diz Lacan, “o homem tem que fazer o luto de encontrar
em sua parceira sua própria falta”. O luto é um processo dolorido, triste, mas
que leva a um paulatino desapego. É isso que lhe permitirá que o objeto amado
não se torne insubstituível, e ele se aposse da certeza de que a alegria de um
novo encontro amoroso estará sempre em seu horizonte.
Cristiano Pimenta
Muito bem, gostei do texto.
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